Liberdade, 107 Anos: Quilombo Urbano que Resiste, Canta e Faz História em São Luís

“Que os fracos não têm força contra os fortes, nem os pequenos contra os poderosos, mas há de haver justiça que reparta os bens do céu, da terra e dos venturosos.” (Gregório de Matos)

Por Marcos Soares 

Nas ladeiras e becos da Liberdade ecoa, há mais de um século, o som dos tambores, dos cânticos e dos passos firmes de um povo que transforma resistência em cultura, e dor em celebração. O bairro, que completa 107 anos em 2025, é mais do que território: é um corpo vivo que pulsa, canta, dança e não se dobra. É memória, é futuro, é o maior quilombo urbano da América Latina.

Aqui, o tempo não corre em linha reta– ele gira, como os corpos nas rodas de tambor, como o couro repicado nos terreiros, como a memória que se recusa a morrer.

O Bumba Meu Boi de Zabumba, legado deixado por mestres Leonardo e Apolônio, é mais que folguedo: é resistência embalada em toadas que cruzam madrugadas e costuram o passado ao presente.

Nos terreiros de Pai Wender Pinheiro (Obayzoo) e Pai Airton (Sogbo), o tambor fala, as folhas curam, os orixás dançam e os encantados protegem. São fortalezas espirituais que sustentam a alma do bairro, preservando as raízes que o racismo e o tempo não conseguiram arrancar.

A Liberdade também vibra ao som do reggae, que aqui encontrou terreno fértil, tomando os becos como salões sagrados, onde o grave não é só música – é oração, é encontro, é resistência coletiva.

Se a cultura se faz com corpo e voz, o esporte molda-se em disciplina, força e superação. Da Liberdade para o mundo, surgiram estrelas que desafiaram as cercas da desigualdade e alcançaram o topo: Iziane Castro, gigante do basquete brasileiro, e Ana Paula, referência do handebol nacional.Suas trajetórias são pontes de esperança, dizendo aos jovens do bairro que o mundo também lhes pertence.

Ao longo do tempo, o bairro nunca foi só palco de cultura. Foi também trincheira. É nas assembleias comunitárias, nos terreiros, nos movimentos de base e nas rodas de conversa que a Liberdade ergue sua voz contra o esquecimento, contra as ausências históricas do poder público, contra os estigmas que tentaram lhe impor.

Aqui, cada batuque é manifesto. Cada toada é uma petição. Cada roda de tambor é também plenária. A Liberdade aprendeu, desde cedo, que viver é, antes de tudo, resistir.

Por muito tempo, quiseram colar no bairro o rótulo de violência. Tentaram apagar sua beleza, sua força e sua potência, reduzindo-o a manchetes sensacionalistas e olhares atravessados de preconceito.

Mas quem anda por suas ruas hoje vê outro cenário: de paz, de convivência, de cultura viva. É um bairro que pulsa harmonia, que constrói redes de cuidado e que prova, dia após dia, que segurança se faz com oportunidade, cultura, afeto e dignidade.

Ainda há muito por fazer. É preciso que o poder público olhe para a Liberdade não com os olhos da omissão, mas com a responsabilidade que esse território exige e merece. O futuro se constrói com investimentos em educação, cultura, saúde e infraestrutura – e essa construção não pode esperar.

Celebrar os 107 anos da Liberdade é reverenciar cada mão que ergueu uma casa, cada pé que pisou firme no tambor, cada voz que entoou um cântico, cada gesto que desenhou futuro onde tentaram plantar esquecimento.

A Liberdade não é só um bairro. É um quilombo de esperança, de luta, de fé e de festa. É a prova viva de que onde há povo, há cultura; onde há cultura, há resistência; e onde há resistência, há futuro.

Seja parceiro do Blog Maramais e vire notícia no Maranhão todo Ícone do WhatsApp Envie uma mensagem agora

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *